quinta-feira, 17 de maio de 2012

Um luxo radioso de sensações



            Luísa, na cama, tinha lido, relido o bilhete de Basílio: “Não pudera – escrevia ele — estar mais tempo sem lhe dizer que a adorava. Mal dormira! Erguera-se de manhã muito cedo para lhe jurar que estava louco, e que punha a sua vida aos pés dela”. Compusera aquela prosa na véspera, no Grêmio, às três horas, depois de alguns robbers de whist, um bife, dois copos de cerveja e uma leitura preguiçosa da Ilustração. E terminava, exclamando: — “Que outros desejem a fortuna, a glória, as honras, eu desejo a ti! Só a ti, minha pomba, porque tu és o único laço que me prende à vida, e se amanhã perdesse o teu amor, juro-te que punha um termo, com uma boa bala, a esta existência inútil!” — Pedira mais cerveja, e levara a carta para a fechar em casa, num envelope com o seu monograma, porque sempre fazia mais efeito”.
          E Luísa tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo conduzia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações.


Eça de Queiroz - O Primo Basílio

Um comentário:

Marcelo Henrique Marques de Souza disse...

“Que outros desejem a fortuna, a glória, as honras, eu desejo a ti! Só a ti, minha pomba, porque tu és o único laço que me prende à vida, e se amanhã perdesse o teu amor, juro-te que punha um termo, com uma boa bala, a esta existência inútil!”

Declarações assim, tão belas, são cada vez mais raras hein..

Abraços